CONTOS – “A mulher no espelho”,
“Mrs. Dalloway em Bond Street”, “Objetos sólidos”.
CITAÇÕES:
“Nesse ínterim, estando as portas e janelas todas abertas
por causa do calor, ouvia-se um perpétuo som de suspiro e suspensão, a voz do
transitório e do perecível, parece, indo e vindo semelhante à respiração
humana, enquanto no espelho as coisas haviam cessado de respirar e quietas
jaziam no transe da imortalidade.” – A mulher no espelho
“Mrs. Dalloway disse que ela própria compraria as luvas.
Quando saiu para a rua, o Big Ben ia batendo. Eram onze em ponto e o tempo
incomum estava fresco, como que feito para crianças numa praia. Mas havia algo
de solene no ritmo vagaroso das reiteradas batidas; algo de excitante no rumor
de rodas e no estrépito de pés.” – Mrs. Dalloway em Bond Street
“Quer fosse este ou não o pensamento de John, o pedaço de
vidro teve o seu lugar sobre a lareira, onde, com o seu peso, prendia uma
pequena pilha de contas e cartas, e servia não somente como um excelente
peso-para-papéis, mas também como o natural lugar de pouso para os olhos do
rapaz, quando ele os erguia do seu livro. Qualquer objeto olhado repetidas
vezes e meio inconscientemente por uma mente entretida com outro pensamento, identifica-se
tão prontamente com a matéria do pensamento que perde a sua verdadeira forma e
recompõe-se de maneira diferente, na forma ideal que persegue o espírito nos
momentos menos esperados.” – Objetos Sólidos
RESENHA:
Há algo que perpassa a obra de Virginia Woolf: o ambiente
em que os personagens se encontram e a construção de seus psicológicos são
pincelados quase como se fossem quadros em uma galeria. Como podermos notar nas
citações selecionadas, a autora pinta, como uma obra de arte, as paisagens que
rodeiam os protagonistas de seus contos. Além disso, Woolf torna concretos os
pensamentos e devaneios de seus personagens fazendo uso de descrições que
situam esses pensamentos e os contextualizam conforme o meio em que se
encontram.
Em “A mulher no espelho”, por exemplo, Isabella Tyson cuida
de seu jardim enquanto a narradora observa e descreve sua vida cotidiana,
refletida no espelho que se encontra na sala da protagonista. Esta, por sua
vez, tem pensamentos positivos: preocupa-se em ser uma boa pessoa, procura
cultivar o relacionamento com seus amigos e pensa em seus compromissos. No
entanto, o espelho representa as mais profundas reflexões e, à medida que a
personagem se aproxima e encara-se no objeto que reflete a sua imagem e, por
consequência, reflete a imagem de toda a vida que ela leva, o bom e o ruim, a
verdade e a mentira confundem-se. Isto ocorre porque, na vida, tudo tem dois
lados – ou vários lados – e é apenas através da reflexão que somos capazes de
enxergar a partir desses diferentes pontos de vista.
Em “Mrs. Dolloway em Bond Street” evidencia-se a capacidade
da autora de retratar paisagens, em detalhes, como quadros em uma galeria de
arte. Clarissa Dalloway sai para comprar luvas e caminha pelas ruas de Londres
enquanto o narrador as descreve em riqueza de detalhes: ouvem-se as badaladas
do Big Ben, o barulho dos carros e o rumor dos pedestres. A protagonista está
rodeada de um mundo sobre o qual reflete enquanto concretiza as suas ações: enquanto
caminha pelas ruas, encontra pessoas que conhece e, a partir delas, reflete
sobre seu passado, seu presente e seu futuro. Por fim, uma vez na loja de
luvas, ela observa a vendedora e, posteriormente, outra cliente – uma idosa que
também está em busca do mesmo acessório. Deparando-se, portanto, com as ações
da vendedora e dessa senhora, Clarissa, assim como no caminho até a loja, tem
algumas epifanias e reflete sobre situações que viveu no passado e os impactos
que estas causaram em seu presente e seu futuro.
No último conto analisado, “Objetos sólidos”, dois homens –
Charles e John – conversam sobre suas insatisfações enquanto caminham pela
praia e acabam por encontrar um pedaço de vidro verde na areia. No decorrer da
narrativa, descobrimos que os personagens são políticos – homens que trabalham
no parlamento – e fica evidente, pela conversa que travavam no início, que
estão descontentes com a sua vida, visto que falavam “dane-se a política”. No
entanto, John constrói um mundo particular e encontra-se consigo mesmo ao achar
aquele pedaço de vidro verde – isto dá um novo sentido para sua vida. Assim
sendo, John passa a colecionar objetos sólidos como cacos de vidros de
diferentes cores e até meteoritos e os dispõe como adornos em cima de sua
lareira, ato incompreendido pelos outros. É possível, portanto, relacionar os
“objetos sólidos” com as relações sociais e profissionais do personagem: à
medida que ele se afeiçoa aos objetos e torna-se obcecado pelo mundo novo que
descobriu, se distancia de sua antiga profissão na política e de sua amizade
com Charles – com quem perde a afinidade de ideias.
CURIOSIDADES:
·
Por um breve período, Virginia Woolf escreveu em
uma mesa alta, em pé, pois ela queria ser como um pintor, que pode se afastar
imediatamente da tela para ter uma visão melhor da obra;
·
Ao terminar de
escrever “Mrs Dalloway em Bond Street”, conto no qual Clarissa sai para
comprar uma luva, Virginia confessou a um amigo
que acreditava que o conto não estava completo e ficou tão intrigada com isso
que decidiu escrever um romance a partir da personagem que decide comprar alguma
coisa. No caso do romance, as flores;
·
Woolf tentou se
matar aos 22 anos, pulando da janela de um hospital, porém ela estava no
segundo andar e nada aconteceu.
·
No ano de 1941, com o estopim da Segunda Guerra
Mundial, a destruição da sua casa em Londres durante o Blitz e a fria recepção
da crítica à sua biografia do seu amigo Roger Fry, Virginia Woolf foi
condicionada ao impedimento da sua escrita e caiu em uma depressão semelhante
às que sofreu durante a juventude. Isto resultou em seu suicídio;
·
Woolf disse que sua morte seria a “única
experiência que eu nunca irei descrever”.
AVALIAÇÃO DA LEITURA E DOS CONTOS:
Apesar de curtos, os contos são densos. A leitura, porém, é
prazerosa: as imagens constroem-se aos poucos na mente do leitor e sentimos
como se estivéssemos passando pelos dramas psicológicos e pelas reflexões dos
personagens. A linguagem, por sua vez, traz alguns vocábulos pouco usuais, no
entanto, é de fácil entendimento.
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