Italo Calvino (1923-1985): "Se um viajante numa noite de inverno" (1979)

CITAÇÃO:

“Você vai começar a ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno. Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: “Não, não quero ver televisão!”. Se não ouvirem, levante a voz: “Estou lendo! Não quero ser perturbado!”. Com todo aquele barulho, talvez ainda não o tenham ouvido; fale mais alto, grite [...]”




RESENHA:

É inovando na forma que Italo Calvino publica o livro “Se um viajante numa noite de inverno” em 1979. Com 12 capítulos, que se intercalam entre histórias dentro da história, o autor trouxe à luz um romance que discorre sobre ler e escrever romances. Além disso, é contando com o personagem “Leitor”, o qual não recebe nenhum nome específico, que o romancista torna você o protagonista desta trama. Isso mesmo: você é o personagem principal desta história!
Como se não bastasse, você passa por inúmeras crises, desafios e obstáculos enquanto seu principal intuito é um só: ler um bom romance e saber como termina a história. No entanto, a literatura publicada nos dias de hoje parece não facilitar: os escritos contemporâneos parecem deixar narrativas em aberto e propor inúmeros questionamentos – em maior número do que as respostas que somos capazes de encontrar.
Ainda por cima, em um mundo dominado pelas editoras e pelas livrarias, você visita a livraria e se depara com muitos tipos de livros, como, por exemplo: “os Livros Cuja Leitura É Dispensável, [...] os Livros Já Lidos Antes Mesmo de Terem Sido Escritos, [...] os Livros Que, Se Você Tivesse Mais Vidas Para Viver, Certamente Leria de Boa Vontade, Mas Infelizmente Os Dias Que Lhe Restam Para Viver Não São Tantos Assim. [...]” (CALVINO, p. 13).
Você compra “Se um viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino, e ao lê-lo em casa, percebe que houve um erro de encadernação no livro: outra história, pertencente a outro romance, começa ao final do primeiro capítulo. Desejoso por saber o final de ambas as histórias, você volta à livraria para trocar o volume e, nesta empreitada, conhece a Leitora – denominada Ludmilla – uma mulher misteriosa, interessada em literatura, que o acompanhará nesta saga em busca das histórias que ficaram em suspenso e, agora, os dois querem saber como terminam.
Calvino apresenta a aventura à qual o Leitor se sujeita ao abrir um livro. É a partir de cada nova aventura empreendida em busca de uma boa história que você se deparará com diversas narrativas: Fora do povoado de Malbork, do polonês Tatius Bazakbal; Debruçando-se na borda da costa escarpada, do poeta simério Ukko Ahti; Sem temer o vento e a vertigem, do címbrico Vorts Viljandi; Olha para baixo onde a sombra se adensa, de Bertrand Vandervelde; Numa rede de linhas que se entrelaçam, de Silas Flannery; Numa rede de linhas que se entrecruzam, Flannery/ MaranaNo tapete de folhas iluminadas pela lua, de Takakumi IkotaAo redor de uma cova vazia, de Calixto BandeiraQue história espera seu fim lá embaixo?, Anatoly Anatolin. 
Vários dos romances, ou “começos de romances”, que Calvino traz em sua obra, são de supostos autores. Ademais, é importante mencionar as duas camadas de leitura presentes no livro: uma, que mostra a “Odisseia” empreendida pelo Leitor em busca de romances e suas explicações; e outra, que apresenta as obras, ou “partes” dessas obras, com a quais Leitor entra em contato ao longo da narrativa. Estas duas camadas se confundem, numa tentativa do autor de explicitar que ler e viver não são atividades que se distinguem em sua essência.
Se você se propuser a calçar os sapatos do Leitor, viverá grandes emoções: conhecerá, por exemplo, um rapaz cimério, amigo de um meteorologista misterioso que veste um sombrio capote negro; viverá uma história de crime na França do século XX; visitará, também, um vilarejo indígena; se transportará ao Japão, em uma casa de um importante senhor japonês, o qual tem uma esposa e uma filha sedutoras; estará, até mesmo, sob fogo em cenas de guerra e em países onde você será perseguido, por conta da censura imposta pelos governos – nestes lugares, não é qualquer tipo de romance que pode circular.
São inúmeras as possibilidades e todas as narrativas parecem convergir-se sobre uma profunda reflexão a respeito dos atos de ler e escrever. A obra de Italo Calvino nos surpreende assim como a vida diária nos é, muitas vezes, surpreendente.


CURIOSIDADES:

·         A Ciméria é um país ficcional criado por Calvino para este romance. O país é descrito como um Estado independente que existiu entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial;
·      Em 1985, ao ser entrevistado por Gregory Lucente, Calvino disse que Se um viajante numa noite de inverno foi claramente influenciado pelos escritos de Vladimir Nabokov;
·       Admirado na Grã-Bretanha, na Austrália e nos Estados Unidos, Calvino era, à época de sua morte, o escritor italiano de literatura contemporânea mais traduzido para o inglês;
·      O "The Telegraph" incluiu este romance no 69º lugar em uma lista de "100 romances que todos deveriam ler" em 2009, descrevendo-o como “um divertido quebra-cabeça pós-moderno” (tradução livre para “a playful postmodernist puzzle”).


AVALIAÇÃO DA LEITURA E DO LIVRO:

A leitura é longa, porém, prazerosa e em constante transformação: o autor consegue prender a atenção de quem lê, visto que, compartilhamos das vontades do “Leitor”: saímos em busca de boas narrativas e queremos encontrar respostas, somos curiosos por natureza. A linguagem empregada, por sua vez, é de fácil compreensão. Uma vez que esta obra é mais contemporânea, não apresenta grandes rebuscamentos e nem palavras que tenham caído em desuso.

Além disso, cada “história dentro da história” traz vasto material para que reflitamos, sob diferentes pontos de vista, a respeito dos atos de ler e de escrever, o que torna esta narrativa desafiante e profunda. Em virtude das diversas camadas de leitura que o livro oferece, a obra parece ter o potencial de agradar diversos tipos de leitores.

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