CITAÇÃO:
“Você vai começar a
ler o novo romance de Italo Calvino, Se um viajante numa noite de inverno.
Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua
volta se dissolva no indefinido. É melhor fechar a porta; do outro lado há
sempre um televisor ligado. Diga logo aos outros: “Não, não quero ver
televisão!”. Se não ouvirem, levante a voz: “Estou lendo! Não quero ser
perturbado!”. Com todo aquele barulho, talvez ainda não o tenham ouvido; fale
mais alto, grite [...]”
RESENHA:
É inovando na forma que Italo Calvino publica o livro “Se um viajante numa noite de inverno”
em 1979. Com 12 capítulos, que se intercalam entre histórias dentro da
história, o autor trouxe à luz um romance que discorre sobre ler e escrever
romances. Além disso, é contando com o personagem “Leitor”, o qual não
recebe nenhum nome específico, que o romancista torna você o protagonista desta
trama. Isso mesmo: você é o personagem principal desta história!
Como se não bastasse, você passa por inúmeras crises,
desafios e obstáculos enquanto seu principal intuito é um só: ler um bom
romance e saber como termina a história. No entanto, a literatura publicada nos
dias de hoje parece não facilitar: os escritos contemporâneos parecem deixar
narrativas em aberto e propor inúmeros questionamentos – em maior número do que
as respostas que somos capazes de encontrar.
Ainda por cima, em um mundo dominado pelas editoras e pelas
livrarias, você visita a livraria e se depara com muitos tipos de livros, como,
por exemplo: “os Livros Cuja Leitura É
Dispensável, [...] os Livros Já Lidos Antes Mesmo de Terem Sido Escritos, [...]
os Livros Que, Se Você Tivesse Mais Vidas Para Viver, Certamente Leria de Boa
Vontade, Mas Infelizmente Os Dias Que Lhe Restam Para Viver Não São Tantos
Assim. [...]” (CALVINO, p. 13).
Você compra “Se um
viajante numa noite de inverno”, de Italo Calvino, e ao lê-lo em casa,
percebe que houve um erro de encadernação no livro: outra história, pertencente
a outro romance, começa ao final do primeiro capítulo. Desejoso por saber o
final de ambas as histórias, você volta à livraria para trocar o volume e,
nesta empreitada, conhece a Leitora – denominada Ludmilla – uma mulher
misteriosa, interessada em literatura, que o acompanhará nesta saga em busca
das histórias que ficaram em suspenso e, agora, os dois querem saber como
terminam.
Calvino apresenta a aventura à qual o Leitor se sujeita ao
abrir um livro. É a partir de cada nova aventura empreendida em busca de uma
boa história que você se deparará com diversas narrativas: Fora do povoado de Malbork, do polonês Tatius Bazakbal; Debruçando-se na borda da costa escarpada, do poeta
simério Ukko Ahti; Sem temer o vento e a
vertigem, do címbrico Vorts Viljandi; Olha para baixo onde a sombra se adensa, de Bertrand
Vandervelde; Numa rede de linhas que se entrelaçam,
de Silas Flannery; Numa rede de linhas que se
entrecruzam, Flannery/ Marana; No tapete de folhas iluminadas
pela lua, de
Takakumi Ikota; Ao redor de uma cova vazia, de Calixto Bandeira; Que história espera seu fim lá embaixo?, Anatoly
Anatolin.
Vários dos romances, ou
“começos de romances”, que Calvino traz em sua obra, são de supostos autores.
Ademais, é importante mencionar as duas camadas de leitura presentes no livro:
uma, que mostra a “Odisseia” empreendida pelo Leitor em busca de romances e
suas explicações; e outra, que apresenta as obras, ou “partes” dessas obras,
com a quais Leitor entra em contato ao longo da narrativa. Estas duas camadas
se confundem, numa tentativa do autor de explicitar que ler e viver não são
atividades que se distinguem em sua essência.
Se você se propuser a calçar
os sapatos do Leitor, viverá grandes emoções: conhecerá, por exemplo, um rapaz
cimério, amigo de um meteorologista misterioso que veste um sombrio capote
negro; viverá uma história de crime na França do século XX; visitará, também,
um vilarejo indígena; se transportará ao Japão, em uma casa de um importante
senhor japonês, o qual tem uma esposa e uma filha sedutoras; estará, até mesmo,
sob fogo em cenas de guerra e em países onde você será perseguido, por conta da
censura imposta pelos governos – nestes lugares, não é qualquer tipo de romance
que pode circular.
São inúmeras as
possibilidades e todas as narrativas parecem convergir-se sobre uma profunda
reflexão a respeito dos atos de ler e escrever. A obra de Italo Calvino nos
surpreende assim como a vida diária nos é, muitas vezes, surpreendente.
CURIOSIDADES:
·
A Ciméria é um país ficcional criado por Calvino
para este romance. O país é descrito como um Estado independente que existiu
entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial;
· Em 1985, ao ser entrevistado por Gregory
Lucente, Calvino disse que Se um viajante numa noite de inverno foi claramente
influenciado pelos escritos de Vladimir Nabokov;
· Admirado na Grã-Bretanha, na Austrália e nos
Estados Unidos, Calvino era, à época de sua morte, o escritor italiano de
literatura contemporânea mais traduzido para o inglês;
· O "The Telegraph" incluiu este romance
no 69º lugar em uma lista de "100 romances que todos deveriam ler" em
2009, descrevendo-o como “um divertido
quebra-cabeça pós-moderno” (tradução livre para “a playful postmodernist puzzle”).
AVALIAÇÃO DA LEITURA E DO LIVRO:
A leitura é longa, porém, prazerosa e em constante
transformação: o autor consegue prender a atenção de quem lê, visto que,
compartilhamos das vontades do “Leitor”: saímos em busca de boas narrativas e
queremos encontrar respostas, somos curiosos por natureza. A linguagem
empregada, por sua vez, é de fácil compreensão. Uma vez que esta obra é mais
contemporânea, não apresenta grandes rebuscamentos e nem palavras que tenham
caído em desuso.
Além disso, cada “história dentro da história” traz vasto
material para que reflitamos, sob diferentes pontos de vista, a respeito dos
atos de ler e de escrever, o que torna esta narrativa desafiante e profunda. Em
virtude das diversas camadas de leitura que o livro oferece, a obra parece ter
o potencial de agradar diversos tipos de leitores.
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